quinta-feira, 28 de abril de 2011

Ozartista

Tenho uns amigos artistas. Não preciso explicar, né? Preciso.
Tenho amigos bailarinos, arqueólogos, atores, escritores, professores, jornalistas, fotógrafos, médicos, publicitários (ainda existe isso?), cozinheiros, arquitetos, advogados... e uns artistas. Isso mesmo, artista: aquele que trabalha com as chamadas hoje artes visuais, ontem artes plásticas e amanhã, como vou saber? Mas ainda hoje, quando falamos "artista", nos vem à cabeça aquele pintor, escultor, ou coisa que o valha. Na sua não? Então é porque você talvez seja um deles, ou esteja perto, ou queira ser, não importa. A mim não importa, e é isso que importa agora.

Pois esses dias esteve aqui nosso querido amigo Ernani Chaves. Artista multi-facetado, gravador, pintor, escultor e o escambau. Veio num domingo de manhã, para o almoço, e passou a tarde conosco. Os guris adoram o Ernani, e acho que tem a ver com o fato de que ele não trata eles como uns bebês (nenhuma criança gosta de ser tratada como bebê, lembre-mo-nos de nós), assim como, quero acreditar, fazemos aqui em casa.

Ao mesmo tempo, e mesmo por isso, eles não grudam no Ernani. Vêm e voltam da volta dele, como um cusco que sabe que vai ganhar um afago, mas não pode lamber a tua boca, ou botar a pata cagada na tua calça. Igual. Curiosos, demandando um provável afeto ou afago, pedindo atenção, mas respeitando um espaço que devidamente não lhes convém. Então.

Então que o Ernani, enquanto estava aqui, como não poderia deixar de ser, nos contou dos seus últimos trabalhos, que investigam o equilíbrio. Como ele próprio lida com isso diariamente, trata-se de algo por demais ligado a tudo o que ele é. E ele é, ele é, muito.

Contou que empilha madeiras (ele é filho de marceneiro), longas colunas, altos morros de pedaços de madeiras, precariamente equilibrados uns sobre os outros. E que a cada exposição, por mais que dê a receita, ele acaba tendo que estar lá, para empilhar e reempilhar os pedaços, já que quase ninguém consegue fazê-lo. E, ainda, que muitas vezes, durante a exposição, tudo cai, apavorando os visitantes e os donos das galerias pelo barulho tenebroso que essa queda promove, e que ele adora isso (que deve fazer lembrar, ou vislumbrar, as catástrofes nossas de cada dia). Nós rimos muito, com os beiços vermelhos de vinho e engraxados de macarrão ao pesto. Os dois gurizinhos correndo na volta, sujando tudo ao redor, atrapalhando e equilibrando a conversa.

E o Ernani foi-se ao cair da tarde, e nós resolvemos que a noite merecia um fogo. E sobre o fogo, uma carne.

Daí que os guris, os três (incluindo aí o progenitor), resolveram que fogo de lenha é melhor, justo quando ainda tínhamos muitas madeiras velhas, oriundas da construção da casa e outros andaimes, lá nos fundos. E se foram a buscar.

Enquanto o José e o Rodrigo armavam um fogaréu digno de os vizinhos chamarem os bombeiros, o Francisco começou a reunir madeiras em volta de um banco, um banquinho que temos aqui. Eu fiquei observando. Ele botava uma tábua para um lado, outra para o outro, até que formou (e nisso as chamas já ardiam) uma espécie de gaiola de tábuas, escoradas no banco, e umas se escorando nas outras. Então, entrou dentro dessa construção e sentou no banco. Me olhou. Fiquei quieta.

Percebendo, intuindo a situação, eu disse, "Rodrigo, pega uma tábua dessas do Pã pra por no fogo", e imediatamente ele se ouriça e grita "Não!". O Rodrigo e o Zé, que estavam imersos na pirotecnia, perguntam "por quê?"

"Porque isso é ARTE", responde o Fran. ISSO É ARTE.

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