sábado, 21 de maio de 2011

Os dois cachorrinhos

A Penélope, cusca boxer mucho loca, foi, deliberadamente, nosso treino para ter filho. Morávamos num pequeno apartamento em Porto Alegre, na João Telles, e todos os gatos eram pardos e todas as noites muito longas. Decidimos que era hora de crescer e eu pedi pro guri (na época meu único) um cachorro, um boxer. TINHA que ser um boxer (pra resolver minha saudosa lembrança da infância, quando meu boxer,  o Falcão, foi doado porque fazia muita bagunça).

Pois meu guri leu uns anúncios no jornal e achou uns boxers em Canoas,  a gente não tinha carro e ele foi de ônibus e voltou com a Pê recém nascida quase, no colo, de trensurb. Me deu. E eu e ela nos demos de simpatia óbvia e imediata.

Ele me perdeu por umas noites, em que eu dormia na sala com a mão na caixinha dela. E depois, entendemos porque tantas pessoas desistem dos boxers (assim como meus pais), pois ela roeu malas, sofás e livros. A Pedagogia da Autonomia, do Paulo Freire, ela comeu inteiro, só deixando mesmo a capa para nos lembrar que, talvez, tudo estivesse ficando claro.

(Há episódios incríveis, como num passeio na Redenção em que ela fugiu de mim e eu, cansada de chamar, me abaixei e chorei e fui consolada por uma ORDA de fumadores de crack, que deram um pause no seu consumo, se organizaram, e me trouxeram a cusca de volta, os queridos.)

Buenas, hoje a Pê tem nove anos, quase dez, um queixo meio esbranquiçado e um atiço que vai e vem. Mas tem um amigo, o Toby, vira-latas pelotense que há uns dez meses mora conosco. TÍPICO vira-latas, tirando os olhos azuis, oriundos, certamente, da nobreza canina da Princesa do Sul. E eis que tá rolando um romance.

Porque a Taylor (outro nome dela, não vou explicar), nunca transou. Nunca entrou no cio, nunca quis nenhum, nunca se esfregou em nenhuma perna.

E agora, já uma senhora, está num tal romance com Tobino, se impondo, se fazendo e emitindo sons que nunca antes ouvimos, dominando totalmente o jovem cão que, quase em sofreguidão lhe implora uma lambida, uma cheirada. É uma beleza de ver os dois. Amor, selvageria e romance, está tudo ali.

Estamos aguardando. Eu, o velho guri de todo esse tempo e os dois bacuris que já dormem agora, mas que foram inaugurados por essa velha cadela, que nos disse que é preciso paciência, espaço e bom humor pra cruzar esse tempo que se chama vida.

terça-feira, 3 de maio de 2011

A torre

O José precisa entender tudo. O José percebe tudo, não adianta querer disfarçar ou esconder. Tentamos, ainda, mantê-los afastados dessa realidade das tragédias e horrores. Conseguimos um pouco, na medida do possível, mas esse possível é cada vez menor. Ainda mais para o Zé, atento, curioso, sensível e preocupado com o mundo.

Pois a morte do Bin Laden é o assunto do momento. Eu e o Rodrigo nos indignamos um pouco demais com as coisas e não conseguimos deixar de comentar, e às vezes nos exaltamos e, bem, os gurizinhos estão sempre pela volta, por cima, por baixo, por todos os lados.

Daí explicar quem era o tal do homem, cuja morte causa comemorações ensandecidas lá na terra do Obama (esse ele conhece bem), os tais dos Estados Unidos da América, não foi muito fácil. "Mas como? Mas porque? Mas porque? Mas o que que ele fez?"

Resolvemos abreviar o assunto.
"Dizem, meu filho, parece que ele mesmo dizia, que foi ele quem mandou derrubar as Torres Gêmeas."
"Derrubaram a torre?"
"Sim, filho, antes de tu teres nascido."
"Como?"
"Bateram com um avião nelas."
"Ah, meu Deus, derrubaram a Torre de Pisa!"
(risos contidos, caso o contrário ele surta)
"Não, filho, essa ainda está lá, meio inclinada, mas de pé."
"Ufa! Ainda bem."

Encerrou-se o assunto. A Torre de Pisa, a que interessa pro José, permanece lá, firme e forte e torta, esperando a sua visita.

Fashion morning

Há dias eu tento escrever e sou impedida por urgências que, sendo urgentes, não podem ser preteridas por esse pequeno deleite. Bom, isso é o que eu penso, mas talvez não seja bem assim.

Provavelmente, certamente, já fui engolida pelo monstrenguinho que criei para mim. Agora que assumi, que dividi com O MUNDO minha singela brincadeira, me sinto obrigada a fazer um texto, a produzir uma coisa bem bonita (!) e de tamanho razoável (!!) pois, afinal, né, não posso decepcionar ninguém.

Ah, foda-se. Vamos tascar uns palavrões logo de início, pra acabar com essa bobagem de mamãe que escreve bonito sobre os rebentos. Não era essa ideia, e se saiu assim alguma coisa, foi por acaso, pela emoção do momento, por que talvez fossem "bonitos" mesmo os sentimentos que mobilizaram meu início. Mas não, não, não, não era essa a ideia. A ideia foi trocar os caderninhos e o facebook, por um lugar mais controlável e menos incerto para escrever as pequenas coisas que me divertem, que me importam, do dia-a-dia com as crianças. Devo lembrar disso, caso o contrário, não encontrarei tempo para dedicar para esse espaço. Não encontrarei porque não tenho. E já estou me alongando.

Hoje de manhã, como ontem baixamos as roupas de inverno, botei no Fran uma meia grossa, listrada, que vai até o joelho. Ele achou lindo aquilo, mas quando botamos as calças, a decepção tomou conta. "Como assim? Não vai aparecer? Então não quero botar!"

Com o Francisco, às vezes (quase sempre) não tem muita negociação. Ele tem manias com comidas e roupas, poucas, mas inegociáveis. Nem pensar em comer nata, manteiga, coco ou cebola. Cebola, nata e manteiga ainda é possível disfarçar. Coco, nem o cheiro é tolerado. Quanto às roupas, o problema são as texturas e as golas. Meus guris são cabeçudos, sempre foi um drama passar qualquer coisa por aquelas vastas cacholas (até que me olhei no espelho, olhei bem para o Rodrigo, e percebi que os coitadinhos não tinham como ser diferentes) mas, depois que passa, quase arrancando as orelhas e os narizes, fica tudo bem. O problema do Fran são as golas no pescoço, qualquer gola, qualquer coisa que encoste no pescoço. Assim, todos os blusões feitos pela avó têm uma enorme gola, que deixa quase os ombros à mostra, e as camisetas e os moletons eu tenho que esgaçar à força. Mas o quê me mesmo que eu ia falar? Ah!

E lá se foram eles, o José meio contrariado e com sono, o Rodrigo, como sempre, achando que está atrasado, embora tenha ainda uns quarenta minutos a seu favor, e o Francisco feliz da vida, olhando pra baixo, observando as lindas meias fofas e listradas que, com as calças dobradas até os joelhos, ficaram como ele queria. Bem aparentes, uma beleza.