sexta-feira, 29 de abril de 2011

Seu Freud, o senhor tinha razão

Estamos na volta do fogo, e apesar de os gurizinhos estarem vendo um filme bem legal, o fogo atrai o Zé como a luz a uma mariposa. Daí começamos a conversar, e chegamos nas gurias da aula.

- Qual tu achas a mais legal, José?
- A Luana.
- E a mais bonita?
- A Luana.

Sendo assim, se fez premente investigar de quem se tratava a tal.

- Como ela é, filho?
- Bonita, ela tem os cabelos lisinhos assim por aqui (mostra o ombro), não gosta, como as outras, de tudo rosa, tem os dentes SEPARADOS (grifo meu), e brinca que ela é um cachorro e sai mordendo a gente.
- Meu velho, essa guria deve ser O MÁXIMO.

Hoje vou dormir bem. O primeiro tá salvo.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Ozartista

Tenho uns amigos artistas. Não preciso explicar, né? Preciso.
Tenho amigos bailarinos, arqueólogos, atores, escritores, professores, jornalistas, fotógrafos, médicos, publicitários (ainda existe isso?), cozinheiros, arquitetos, advogados... e uns artistas. Isso mesmo, artista: aquele que trabalha com as chamadas hoje artes visuais, ontem artes plásticas e amanhã, como vou saber? Mas ainda hoje, quando falamos "artista", nos vem à cabeça aquele pintor, escultor, ou coisa que o valha. Na sua não? Então é porque você talvez seja um deles, ou esteja perto, ou queira ser, não importa. A mim não importa, e é isso que importa agora.

Pois esses dias esteve aqui nosso querido amigo Ernani Chaves. Artista multi-facetado, gravador, pintor, escultor e o escambau. Veio num domingo de manhã, para o almoço, e passou a tarde conosco. Os guris adoram o Ernani, e acho que tem a ver com o fato de que ele não trata eles como uns bebês (nenhuma criança gosta de ser tratada como bebê, lembre-mo-nos de nós), assim como, quero acreditar, fazemos aqui em casa.

Ao mesmo tempo, e mesmo por isso, eles não grudam no Ernani. Vêm e voltam da volta dele, como um cusco que sabe que vai ganhar um afago, mas não pode lamber a tua boca, ou botar a pata cagada na tua calça. Igual. Curiosos, demandando um provável afeto ou afago, pedindo atenção, mas respeitando um espaço que devidamente não lhes convém. Então.

Então que o Ernani, enquanto estava aqui, como não poderia deixar de ser, nos contou dos seus últimos trabalhos, que investigam o equilíbrio. Como ele próprio lida com isso diariamente, trata-se de algo por demais ligado a tudo o que ele é. E ele é, ele é, muito.

Contou que empilha madeiras (ele é filho de marceneiro), longas colunas, altos morros de pedaços de madeiras, precariamente equilibrados uns sobre os outros. E que a cada exposição, por mais que dê a receita, ele acaba tendo que estar lá, para empilhar e reempilhar os pedaços, já que quase ninguém consegue fazê-lo. E, ainda, que muitas vezes, durante a exposição, tudo cai, apavorando os visitantes e os donos das galerias pelo barulho tenebroso que essa queda promove, e que ele adora isso (que deve fazer lembrar, ou vislumbrar, as catástrofes nossas de cada dia). Nós rimos muito, com os beiços vermelhos de vinho e engraxados de macarrão ao pesto. Os dois gurizinhos correndo na volta, sujando tudo ao redor, atrapalhando e equilibrando a conversa.

E o Ernani foi-se ao cair da tarde, e nós resolvemos que a noite merecia um fogo. E sobre o fogo, uma carne.

Daí que os guris, os três (incluindo aí o progenitor), resolveram que fogo de lenha é melhor, justo quando ainda tínhamos muitas madeiras velhas, oriundas da construção da casa e outros andaimes, lá nos fundos. E se foram a buscar.

Enquanto o José e o Rodrigo armavam um fogaréu digno de os vizinhos chamarem os bombeiros, o Francisco começou a reunir madeiras em volta de um banco, um banquinho que temos aqui. Eu fiquei observando. Ele botava uma tábua para um lado, outra para o outro, até que formou (e nisso as chamas já ardiam) uma espécie de gaiola de tábuas, escoradas no banco, e umas se escorando nas outras. Então, entrou dentro dessa construção e sentou no banco. Me olhou. Fiquei quieta.

Percebendo, intuindo a situação, eu disse, "Rodrigo, pega uma tábua dessas do Pã pra por no fogo", e imediatamente ele se ouriça e grita "Não!". O Rodrigo e o Zé, que estavam imersos na pirotecnia, perguntam "por quê?"

"Porque isso é ARTE", responde o Fran. ISSO É ARTE.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Deslembrar

Como era mesmo aquela música que o José cantava? Qual foi mesmo a primeira palavra que o Fran pronunciou? Minha memória prodigiosa, que guarda cenas da infância de meus irmãos, que pode repetir a entonação da avó já há tanto tempo ausente, que lembra cenas vividas desde os dois anos de idade, que decora com facilidade um texto, parece, está rareando. Talvez em meio a tantas outras demandas da vida, que uma vez que sejamos mães ou pais se multiplicam de forma assustadora, percebo que tenho esquecido mais do que gostaria. Pois, sim, esquecer também é bom. Nem tudo pode ser lembrado. Nem tudo deve ser lembrado. Ok.

Num caderninho que me acompanha (sempre vivi ao lado de um caderninho) está escrito: "deslembrar - José". Lembro que ele me disse em algum dia (esquecido), por alguma razão (esquecida) "ah, mãe, têm coisas que eu deslembro". Achei bonito, pensei que era um bom título pra alguma coisa, uma boa ideia pra alguma coisa. Mas também não sei mais para quê.

Então, José e Francisco, é o seguinte, há muitas coisas, muitas coisas, meus filhos, que eu não quero deslembrar. Principalmente, não quero deslembrar as belezas que ouço de vocês dois, as alegrias que nos proporcionam, para mim e para o pai de vocês, diariamente. Vou escrever o que eu puder, meus gurizinhos, pra guardar para nós. Para vocês. Para os filhos de vocês, se os tiverem. Até por que, eu tenho certeza, nenhuma história mais bela poderá jamais ser escrita por mim, se não esta, que fizemos acontecer todos os dias.